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No diálogo O Banquete, de Platão, os personagens discutem o tema do Amor, mais especificamente a sua origem, a sua natureza, os seus efeitos na vida do homem, e a sua relação com o Divino. O valor dessa obra para o desenvolvimento da civilização ocidental é inestimável. As abordagens feitas pelos participantes são as mesmas que ainda hoje fazem parte do debate filosófico acadêmico. Mas, afinal de contas, isso não é novidade para quem é conhecedor do tesouro cultural e filosófico que foi construído na Grécia antiga. Todo leitor de Filosofia Clássica reconhece a grandeza dos escritos passados e admite que, são poucas as obras contemporâneas que chegam aos pés da magnitude dos escritos de outrora.
Ilustrando a riqueza intelectual da época, o diálogo se desenvolve num banquete, onde os convidados celebram a inédita vitória de Agaton no concurso tradicional do teatro grego. Para essa comemoração, Agáton convidou homens bastante importantes da sociedade grega, como Pausânias, Sócrates, Fédro, Erixímaco, Aristófanes, e outros. Estando todos reunidos na mesa, em seus devidos lugares, eles acertam entre si que cada um deve pronunciar um discurso em elogio ao Deus Eros, o Amor. A perspicácia de todos os presentes é admirável, não ficando nenhum atrás do outro em nível de desempenho nos seus discursos. Cada discurso enunciado queria ser mais belo que o outro. Fédro foi o encarregado da difícil missão de abrir a sessão. A sequência dos discursos proferidos pelos então presentes foi na seguinte ordem: Fédro, Pausânias, Erixímaco, Aristófanes, Agatón, Sócrates e Alcibíades.
1. Discurso proferido por Fédro
O primeiro discurso da noite é um enorme elogio ao Deus Eros. Para Fédro, não há nenhum homem tão ruim que o Amor não possa purifica-lo, torna-lo melhor, mais generoso. O Amor é um sentimento que desperta o que há de mais precioso no homem, as suas virtudes.
“Amor é dos deuses o mais antigo, o mais honrado e o mais poderoso para a aquisição da virtude e da felicidade entre os homens, tanto em sua vida como após sua morte".
2. Discurso proferido por Pausânias
Pausânias adverte Fédro e discorda dele em alguns pontos. Para Pausânias, na realidade, existem dois tipos de amor, e não um único apenas, como sugerido por Fédro; são eles: Urânia, a Celestial; e Pandêmia, a Popular. Ambas representam formas diferentes de Amor. O primeiro, por ser mais velho e isento de violência, é o tipo de amor de natureza mais forte, racional e inteligente. O segundo, por ser muito mais novo, é imaturo, popular, fraco, ama o corpo e despreza a racionalidade.
3. Discurso proferido por Erixímaco
O médico Erixímaco concorda com a visão dualista de Pausânias sobre o Amor. Fazendo uma analogia ao ambiente em que trabalha, ele afirma que existe o Amor sadio e o Amor mórbido.
“A natureza dos corpos, com efeito, comporta esse duplo Amor; o sadio e o mórbido são cada um reconhecidamente um estado diverso e dessemelhante, e o dessemelhante desejam e amam o dessemelhante. Um, portanto, é o amor no que é sadio, e outro no que é mórbido”. O médico defende um amor saudável, harmônico, moderado e equilibrado.
4. Discurso proferido por Aristófanes.
A quarta fala é a do dramaturgo Aristófanes, que usa uma história antiga para argumentar a sua opinião. Ele diz que no inicio da humanidade havia três gêneros: o masculino, o feminino e o andrógino. Dessa forma, esses seres eram inteiramente autossuficientes, até que os deuses resolveram dividi-los ao meio, condenando-os assim à infelicidade eterna por não serem mais completos e necessitarem de outra metade.
“O motivo disso é que nossa antiga natureza era assim e nós éramos um todo; é, portanto ao desejo e procura do todo que se dá o nome de amor. Anteriormente, como estou dizendo, nós éramos um só, e agora é que, por causa da nossa injustiça, fomos separados pelo deus, e como o foram os árcades pelos lacedemônios”.
5. Discurso proferido por Agatón
O quinto discurso é o do poeta trágico, Agatón, vencedor do concurso e dono da casa. Com toda a sua habilidade poética, Agatón profere um discurso bastante melódico, eloquente e belo em devoção ao amor. Ele enaltece que o Amor é puramente racional e virtuoso, não deixa ser dominado pelos prazeres da carne e caminha de encontro somente ao que lhe é semelhante. Além de temperante, o Amor é, por natureza, justo, sábio e corajoso. Ele discorda do Fédro e diz que o Amor é dos Deuses, o mais jovem.
Todos os presentes ficaram encantados com o discurso e o aplaudiram de pé.
6. Discurso proferido por Sócrates
Por meio de perguntas bem elaboradas, Sócrates faz Ágaton entrar em contradição consigo mesmo. Os dois concordaram que o amor carece de beleza, e, por conseguinte, ele não é belo. Não sendo belo, ele também não pode ser bom.
Para Sócrates, o amor é desejar e amar aquilo que ainda não nos pertence. Amar é querer algo no futuro e conservar esse algo consigo para sempre.
Nem tudo que não é belo, é necessariamente feio. E nem tudo que não for sábio, é necessariamente ignorante. Essas qualidades não podem ser generalizadas, pouco menos adequadas a um objeto com exatidão. Existe algo entre a sabedoria e a ignorância. Esse algo é a opinião certa. O opinar certo não te faz um sábio, mas, no mínimo, demonstra que não é um completo ignorante.
Do mesmo modo, só porque o amor não é belo e nem bom, ele não pode ser considerado um mal. De acordo com Sócrates, o Amor é algo que está entre esses dois extremos. É um intermediário entre a realidade divina e a realidade humana.
7. Discurso proferido por Alcibíades.
Alcibíades aparece nos redores da casa de Agatón, fazendo muito barulho, evidentemente embriagado. Agatón permitiu sua entrada e também lhe foi proposto o desafio de proferir um discurso que elogiasse o amor. Admitindo a desvantagem por estar embriagado, Alcibíades aceitou e começou o discurso. Alcibíades dedica as suas palavras única e exclusivamente para louvar Sócrates e o discurso feito anteriormente.
Qualquer um leitor de Platão reconhecerá o tamanho da dificuldade que é para identificar as definições exatas dos termos usados pelo Filósofo nas suas obras. Temas como o Belo, Amor, Bem, Justiça, são, na maioria das vezes, complicados de explicar, pois nem sempre o autor explicita-os claramente. Os significados não se encontram em um ou dois livros. Ao ler qualquer um dos diálogos platônicos, mais encontraremos dúvidas do que certezas. Formar uma síntese sobre tal questão apenas é possível depois de ler, pelo menos, umas cinco obras do autor. A mensagem que “O Banquete” transmite, por exemplo, encontra-se sob uma cortina de fumaça que só é desarmada quando rachamos de tanto raciocinar, até quando encaixamos os pontos e entendemos o objetivo do filósofo. Se eu já não houvesse lido o “Fédro” e o “Fédon”, não teria conseguido entender os discursos do diálogo em questão.
O Banquete transmite nos discursos, as mais variadas formas que o Amor costuma ser interpretado por aqueles que se debruçam em estuda-lo. Nas palavras dos homens mais importantes da época, vemos o sentido harmônico e divino que o Amor é atribuído, quando Fédro e Agaton, por exemplo, rasgam elogios. Ao mesmo tempo, nos é apresentado através de Erixímaco e Pausânias, um Amor estendido em duas dimensões: a primeira no seu estado mais natural, condescendente, etéreo - pertencente apenas aqueles mais virtuosos; o segundo no seu estado degenerado, deturpado, doente e vicioso - pertencente apenas aos pobres de espirito. Por fim, Sócrates e Aristófanes compartilham de uma visão semelhante do Amor: um desejo que está em busca de preenchimento, ocupação. Obviamente que a origem desse desejo que o comediógrafo acredita ser é completamente distinta da visão de Sócrates, mas o fato é que o amor é movimentado por um mesmo principio: desejar algo. Com Sócrates, essa análise ganha muito mais corpo e aprofundamento, quando o filósofo afirma haver uma mediação entre a esfera divina e a esfera terrena através da manifestação do amor.
O diálogo o Banquete é daqueles livros que quando terminamos de ler sentimos um gostinho de quero mais, além da sensação de que nem tudo foi absolvido de maneira plena por nós.

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